Do alto da Cuesta, apreciando o horizonte, o homem de pequenas pernas apertava os olhos para que os raios do sol nascente não lhe ofuscassem a bela vista, que até então só era vista pela visão. Lá abaixo devido a grande distância, as vivas árvores, as amplas pastagens e os incansáveis moinhos pareciam imóveis ao olhar do homem. Era uma foto. Até mesmo a brisa da aurora aparentava quieta como o sono de um recém nascido, combinando com o nascido dia. Acompanhando o giro da Terra o calor vagarosamente aquecia o homem, que estagnado de movimento se sentia paisagem. Sentia pedra.
Mas o homem pedra e paisagem mantinha mais do que os olhos abertos, mesmo semicerrados ele via, e vendo viu um movimento. E a foto deixou de sê-la. E o calor já incomodava o corpo coberto de roupas. E o homem enxergou o movimento.
Os dois cavalos corriam e brincavam no campo.
Cada patada no chão ainda úmido do orvalho ressoava por quilômetros. As crinas esvoaçavam dançando coreografadas pelo trotar, o pêlo curto e claro de suas ancas refletia o sol e agora eram as luzes quem bailavam. Os cavalos eram demasiadamente coesos. Suas estruturas sólidas tinham uma coerência exageradamente natural com cada porção de grama pisada, cada arbusto resvalado, cada galho partido.
O homem não conseguia mais distinguir um cavalo do outro, eram um só. Tampouco distinguia os cavalos do pasto, os cavalos no pasto das sombras das árvores, e o vento, e a água do capim, o muco do morro alto de onde ele via tudo.
O homem não mais compreendia a diferença entre ele e o cavalo. Eram um.
Não era mais apenas a visão que via. O homem via o fino balançar das copas, via a água escorrendo pelo vale drenada pela terra que parada também não estava, vibrava. Via as casas de janelas abertas, por elas a vida invadia, por elas a vida transbordava. Via as minhocas sovando o solo, os micróbios efervescentes na terra fértil, os insetos devorando as folhas verdes, outro homem rachando um tronco, outro homem ainda assando um bolo cheiroso que atraiam outros homens e muitas abelhas.
O homem mergulhado na vista e ensopado dela já não se continha. Num movimento tirou o casaco porque dele não mais precisava. E em pleno amanhecer do dia as pernas antes pequenas agora davam passos largos. Larguíssimos. Em um deles o homem desceu da Cuesta, já estava na planície.
E o homem que agora é cavalo, que agora é mato, verme, brisa e flor, caminha pelo campo. Movimenta-se, transmuta-se e se dissipa respirando sua nova existência.